CRÔNICAS PROF. FLÁVIO DA SILVA
OLIVEIRA
OS LACERDINHAS
18-09-1966
Com este calor bárbaro, os “lacerdinhas” andam
assanhadíssimos. Quem se atrever a atravessar o jardim, mormente se estiver
usando camisa ou blusa amarela, fica todo salpicado pelos ativos e irritantes
bichinhos, que não deram bola ao combate que a Prefeitura lhes moveu. A exemplo
de outras cidades, já foi tentado de tudo para exterminá-los. Reduzem suas
atividades mas, dentro em pouco, voltam mais ferozes do que nunca. A
impertinência deles é tanta que existem até os que aconselham o uso de
lança-chamas ou a derrubada total dos “fícus”, como únicos remédios para o mal.
A verdade é que os bichinhos são travessos e sabidos. Enrolando-se nas folhas
mais novas e tenras das árvores, ficam quase que inteiramente protegidos de
qualquer ataque. E o sol, que atualmente está de estourar mamona, deixa-os mais
ativos e insuportáveis. À tardezinha, com a fresca, vão-se aquietando, até
sossegarem de vez, com a noite.
Aliás, li algures que o ciclo de atividades dos “lacerdinhas”
vem diminuindo, paulatinamente, sem qualquer razão aparente, como que
combatidos pela própria natureza. Por isso, sou contrário à derrubada das
árvores, mesmo porque, de acordo com o velho ditado – não há bem que sempre
dure, nem mal que perdure-o dia deles há de chegar. Mas, pensando bem, não há
mesmo motivo, bastante sério, para se combater os “lacerdinhas” com tanto
ardor. Afinal de contas, o Onipotente sabe o que faz: notem que os bichinhos só
agem com o calor do dia. Incomodam, portanto, apenas aqueles que, não tendo o
que fazer, ficam pelo jardim, no dolce far nienti”. (É claro que os motoristas
de praça formam a exceção). Imaginem vocês se as atividades dos “lacerdinhas”
fossem invertidas, isto e´, se ficassem quietinhos com o calor e agissem com o
frescor da noite: na certa, os namorados não mais procurariam o jardim público,
porque têm muito mais o que fazer de que enxotar bichinhos, e a praça ficaria
soturna, sem a garrulice da mocidade.
Está tudo certo, portanto, inclusive o “lacerdinha” que
penetrou em meu olho, num dia destes, fazendo-me penar como danado, pois
encontrei uma alma boa e caridosa que, com a pontinha do seu lenço, todo
perfumado, alivio-me do monstro, imunizando-me contra todas as penas que todos
os “lacerdinhas” do mundo possam causar-me...
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