sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

FOI ONTEM, MESMO. FLÁVIO DA SILVA OLIVEIRA


Caiu-me nas mãos, num destes dias atrás, uma fotografia dos escoteiros do nosso então único grupo escolar, hoje chamado Sud Mennucci, para perpetuar um nome transbordante de recordações, que o seu busto, na entrada, nas as transmite a ninguém, porque são minhas e comigo irão. Achei interessante o modo como chegou ela até a mim, contrariando a rotina de um velho colecionador, sempre atrás de coisas ferreirense. Pelas circunstâncias, não a desejei: estava sendo oferecida por 70 contos, logo reduzidos para 50, por quem, talvez, não pudesse fazê-lo, legitimamente. Depois, o mesmo ofertante, procurou-me em casa, pedindo-me que o ajudasse a vendê-la. Aceitei a incumbência, com o único intuito de descartar-me, rapidamente, da pessoa e guardei-a, junto aos meus livros, na estante, para tornar fácil sua devolução. Tenho uma cópia dessa fotografia, em meus guardados, e sei que foi tirada nos idos de 1929, quando o escotismo, em Porto Ferreira, foi reorganizado e seus componentes fizeram uma excursão a São Paulo, onde eu já residia. Por uma simples obra do acaso, encontrei-me com os excursionistas, durante o desfile comemorativo de uma data nacional, no qual eu também tomava parte, possivelmente a 7 de setembro. Reconheci todos, pois, eram meus ex-colegas do grupo escolar mas, nosso contato foi rápido – todos nós estávamos sob a tutela da Pátria e a Pátria não gosta que se quebre o ritmo e a ordem das homenagens que lhes são devidas. E assim, a velha fotografia ficou em minha estante de livros, de bruço sobre eles, muito embora eu já houvesse dito ao ofertante que não me fora possível vende-la, aguardando ser levada de volta. Hoje, não sei por que cargas d’águas, peguei-a para examiná-la. Com os óculos que uso normalmente, para a leitura e munido de uma lupa (Lupa?) Não seria melhor dizer: lente de aumento? procurei examinara meus ex-colegas de grupo escolar. Passei os olhos, com a visão bem aumentada, pelo rosto de todos, um a um. Quantos seriam? Quarenta, cinquenta? Sei, apenas, que reconheci três ou quatro deles, fora os adultos que ali estavam: o diretor, à janela do estabelecimento; o porteiro, à porta; um professor, como chefe dos escoteiros e outro adulto, também fardado, como seu auxiliar.
Afinal de contas, onde andarão aqueles colegas, com os quais convivi tantos anos e que fizeram parte dos melhores anos de minha vida? Onde estará a lembrança de suas fisionomias, que me foram tão caras? Estão por ai mesmo, não há dúvida: alguns mortos, outros, por esse mundo afora e, outros, por aqui mesmo, ao meu redor, em meu convívio diário. Mas, não são estas pessoas que procuro e, sim, aquelas carinhas da fotografia, sem maldade e plácidas, que não consigo identificar, que não consigo trazer ao presente.
- Pudera – dirá o leitor – isso faz mais de quarenta anos que aconteceu.

Não, meu amigo, não faz tanto tempo assim, que eu brincava e estudava com aqueles meninos da fotografia, porque foi ontem, mesmo, que tudo aquilo aconteceu... Podes crer!

sábado, 13 de fevereiro de 2016

QUI DIGIT, BIS LEGIT - QUEM DIGITA, LE DUAS VEZES

CRÔNICAS DO PROF. FLÁVIO DA SILVA OLIVEIRA
URUBUS EM QUARENTENA
04/12/1965

A vida aqui na redação, não é sopa, não. Imaginem vocês que nós, os colaboradores “efetivos”, devemos entregar o trabalho semanal até 4ª feira, a fim de que o pessoal da oficina possa ir executando a composição e a paginação sem correrias e atropelos, de modo a não prejudicar os demais serviços da gráfica. Esta semana, entreguei o meu mais cedo. Segunda-feira, a crônica já estava lá, aliviando-me de uma preocupação durante, pelo menos, sete dias. Acontece que, na 5ª feira, à noite, recebi um pedido da direção do semanário: achavam que a crônica não devia ser publicada, porque abordava assunto que, por razões sentimentais e, portanto, irrecusáveis – não lhes satisfazia. Concordei, imediatamente, ficando certo que minha coluna seria substituída por qualquer outra coisa, nesta semana. No entanto, chegando em casa, achei que eu mesmo deveria fazer a substituição e passei a matutar sobre o assunto, rememorando os fatos locais que pudessem merecer a transcrição. Nada conseguindo de nativo, ocorreu-me uma notícia que encontrei, dias atrás, nos jornais paulistanos: os Estado Unidos haviam mandado buscar alguns urubus no Brasil, porque precisavam deles, no exercício de suas funções precípuas, isto é, para catar carniça, já que seus irmãos americanos não se prestam a isso. Com a notícia foi bastante lacônica, não esclarecendo onde aquelas aves foram caçadas, posso admitir que Porto Ferreira teve o privilégio de atender à exportação, já que é possuidor de vasto plantel nativo. Assim, acabei por encontrar um assunto local, como é desejado, valorizado por sua ação internacional.
Mas, pensamento vem, pensamento vai, vi-me com dó da retintas aves brasileiras, convencido de que irão passar nos “States”, uma vida bastante apertada, não por estranharem o clima nem a guturalidade do linguajar, mas, pela falta de “boia”. Em um país adiantado e organizado como aquele, onde tudo é tecnicamente previsto e resolvido, onde encontrar carniça, que não deixa de ser um símbolo de desleixo e de descuido? Carniça enlatada? ... Não, isso não pode ser... Deve haver, por lá, alguma carnicinha que anda preocupando os já preocupadíssimos americanos. Com a perspectiva de uma importação em larga escala, portanto, se os urubus tiveram entendimento, devem estar de quarentena e torcendo para que a experiência não dê certo. Mas, é bem possível que muitos deles sejam despachados, porque o urubu é mesmo uma ave sem sorte. Para começar, basta lembrar que seus filhotes nunca são vistos e admirados por ninguém. Dificilmente encontra-se uma pessoa que os tenha visto. Depois, apesar de ser uma ave retinta de preta e existir aos milhares, não foi ela que serviu de poética comparação ao notável Alencar, para imortalizar-se na literatura brasileira, dando lugar à desconhecida graúna.
Além do mais, alguns ainda os chamam de “galinha preta”, o que não deixa de ser uma afronta à espécie, já que galinha é galinha e urubu é urubu. Aliás, isso faz-me lembrar de uma história, contada por um amigo como verídica. Contou-me ele que descia por uma de pequena cidade interiorana, uma pobre mulher, quase que maltrapilha, acompanhada de dois ou três filhos pequenos. Ao passarem por um terreno baldio, uma das crianças começou a gritar:
- Mãe, venha ver uma galinha preta... Mãe, venha ver...
-Não é galinha preta, meu filho, aquilo é urubu.
Ainda falando em galinha preta e em urubu e continuando a caminho, tiveram o azar de passar por um padre que, tomando como epítetos para si aqueles nomes, armou um sururu danado, inclusive chamando a polícia.

Aí está, pois, como consegui substituir minha crônica da semana, seguindo a praxe de usar assunto local, muito embora acreditando que os urubus exportados não sejam ferreirense. Felizmente.

QUI DIGIT, BIS LEGIT - QUEM DIGITA, LE DUAS VEZES

CRÔNICAS PROF. FLÁVIO DA SILVA OLIVEIRA
OS LACERDINHAS
18-09-1966
Com este calor bárbaro, os “lacerdinhas” andam assanhadíssimos. Quem se atrever a atravessar o jardim, mormente se estiver usando camisa ou blusa amarela, fica todo salpicado pelos ativos e irritantes bichinhos, que não deram bola ao combate que a Prefeitura lhes moveu. A exemplo de outras cidades, já foi tentado de tudo para exterminá-los. Reduzem suas atividades mas, dentro em pouco, voltam mais ferozes do que nunca. A impertinência deles é tanta que existem até os que aconselham o uso de lança-chamas ou a derrubada total dos “fícus”, como únicos remédios para o mal. A verdade é que os bichinhos são travessos e sabidos. Enrolando-se nas folhas mais novas e tenras das árvores, ficam quase que inteiramente protegidos de qualquer ataque. E o sol, que atualmente está de estourar mamona, deixa-os mais ativos e insuportáveis. À tardezinha, com a fresca, vão-se aquietando, até sossegarem de vez, com a noite.
Aliás, li algures que o ciclo de atividades dos “lacerdinhas” vem diminuindo, paulatinamente, sem qualquer razão aparente, como que combatidos pela própria natureza. Por isso, sou contrário à derrubada das árvores, mesmo porque, de acordo com o velho ditado – não há bem que sempre dure, nem mal que perdure-o dia deles há de chegar. Mas, pensando bem, não há mesmo motivo, bastante sério, para se combater os “lacerdinhas” com tanto ardor. Afinal de contas, o Onipotente sabe o que faz: notem que os bichinhos só agem com o calor do dia. Incomodam, portanto, apenas aqueles que, não tendo o que fazer, ficam pelo jardim, no dolce far nienti”. (É claro que os motoristas de praça formam a exceção). Imaginem vocês se as atividades dos “lacerdinhas” fossem invertidas, isto e´, se ficassem quietinhos com o calor e agissem com o frescor da noite: na certa, os namorados não mais procurariam o jardim público, porque têm muito mais o que fazer de que enxotar bichinhos, e a praça ficaria soturna, sem a garrulice da mocidade.

Está tudo certo, portanto, inclusive o “lacerdinha” que penetrou em meu olho, num dia destes, fazendo-me penar como danado, pois encontrei uma alma boa e caridosa que, com a pontinha do seu lenço, todo perfumado, alivio-me do monstro, imunizando-me contra todas as penas que todos os “lacerdinhas” do mundo possam causar-me...

ORQUÍDEAS






BATATAS NUMA ÁRVORE (SIBIRUNA) – ORQUÍDEA

Em 2013 foi derrubada uma árvore tipo sibiruna, em frente do prédio da antiga Cadeia de Porto Ferreira, atualmente Museu Histórico e Pedagógico Prof. Flávio da Silva Oliveira, enfim foi derrubada em razão de que a mesma estava condenada, possivelmente se houvesse uma rajada de vento forte ela viria ao chão, podendo causar qualquer tipo de tragédia.
Deu um enorme trabalho a equipe dos bombeiros. Foram dois dias consecutivos de um árduo trabalho usando técnicas de poda.
Uma vez que a árvore foi ao solo, fizeram um serviço de serrar em partes devido ao seu enorme tamanho. Passando perto vi umas batatas se é que posso chama-la deste nome. Não conheço essa planta, mas tudo indica que seja uma espécie de orquídea.
Peguei três batatas e levei para minha casa, coloquei num pequeno vaso, e no mês de setembro brotaram outras mais.
Hoje dia 1 de outubro de 2015, dei uma olhada no vaso e percebi que estão brotando mais.

QUI SCRIBIT, BIS LEGIT - QUEM ESCREVE, LE DUAS VEZES

CRÔNICAS PROF. FLÁVIO DA SILVA OLIVEIRA
Sempre, aos domingos
09/10/1965

Domingo passado, pela amanhã, sai zanzando por aí. Passei pelo Clube e pelo Gerola, onde topei alguns amigos bebericando aperitivos. Atravessei o jardim, em frente à igreja, e fui até à Camponesa. Ali, também, outros amigos aguçavam com o que estavam ingerindo. Voltei para o jardim e sentei-me em um banco, na calçada, protegido pelo frescor das verdes copas residenciais dos “lacerdinhas”. Grupo álacres de “brotos” iam e vinham, seguidamente, transbordantes de alegria, pois, o grande problema que carregavam, era passear e gozar das delicias que isso pode proporcionar. Possivelmente, o encontro com “alguém” trouxesse mais felicidade, se ainda coubesse tanto. Logo abaixo, na esquina, acomodados em outros bancos ou formando rodinhas, grupos de senhores circunspectos, garantidamente já passados dos cinquenta, também formavam seus mundos, na certa para consertar o Brasil, começando pelo próprio Município e seus administradores. Vez ou outra, notava-se partir dali alguns olhares furtivos e saudosos, acompanhando o andar de uma “dona” mais provocante... Enfim, brotos ou madurões – “tuti bona genti” – enchendo o tempo com o tempo que corre, inexorável e insensivelmente.
Fiquei por ali, sentado e sozinho, contemplativo e quase que angustiado. O que procuro? O que desejo? Seria um vulto feminino, modelado pelo meu cinzel egoísta, tal qual a nova Galateia, para ser amada sem restrições e incondicionalmente? Ou seria a procura do tempo perdido em indagações filosóficas e transcendentais, que, ainda, não me apontaram o caminho a seguir?
Uma Kombi, com o pneu trazeiro esvaziando, lentamente encosta-se no ponto de automóveis particulares. Dela, descem várias senhoras, crianças e o motorista. O cavalheiro, na maior “estica” domingueira, tira o paletó e arregaça as mangas da camisa, para substituir a roda furada. Mal apanha a chave, para isso, e, a ele, chega-se um rapaz. Trocam algumas palavras, que não ouço e o jovem passa a cuidar do serviço. O macaco não quer se firmar, devido à inclinação do calçamento. Mas três jovens se achegam e, ajudando aqui e ali, colocam o estepe no devido lugar. Nem bem esperando os agradecimentos, vão-se embora, como chegaram. As senhoras, as crianças e o cavalheiro, voltam para a perua que, dando pequena marcha-a-ré, prossegue seu caminho.

As primeiras reviravoltas de meu estômago, mostram-se que está na hora do almoço e não me faço de rogado. Meus passos, para casa, já nada têm de contemplativo ou filosófico porque, deixando o coração, carregam o faminto estômago, comandante indiscutível das emoções. Agora sei o que o procuro e o que quero, porque um suculento prato de macarronada, gostosamente está me aguardando...